Quantos trens não vi passar.
Quantas plataformas.
Às vezes cheias, às vezes tão silenciosas.
Quantas despedidas não me atravessaram, brutais. Mas de alguma estranha forma também emprestando-me seus olhos para que algo mudasse.
Ainda assim, um quente na garganta, a ânsia pelo desconhecido prontamente abafada, sem nem poder gritar-se no mundo. Sem poder mostrar sua face linda e louca aos olhos cheios de medo que encontrasse pelas avenidas.
Como sempre, chegava em casa querendo registrar — registrar algo tão terrível e grandioso, tão maravilhoso que eu descobrira, mas que mal poderia saber o quê era.
Impossível transbordar em palavras.
Como conceber um novo sentido;
como transcender os monstros sagrados que pairam,
que nunca nos deixarão?
Como cortar as fitas da banalidade, que me querem impedir de sentir e de acreditar?
Sem oxigênio nada pode florescer; de pronto só poderia é procurar os sons, as melodias, as vozes, as frases, as palavras alquímicas por onde escorrer a agonia.
Pois, se eu escrevo é para desafogar os caminhos tortuosos e inscrever a memória de algum desígnio, qualquer que seja. Despretensioso. Apenas saber que por aqui estive: respirei, contemplei, por vezes me desesperei; sobre a morte muito pensei e, sobretudo, inumeráveis fins presenciei. São as pernas que não cabem em si, a vida que não basta para se fazer boa, porque, pobre dela, se fez tão estragada. Molestada. Mas segurarei suas mãos até o final.